Diário de Bordo // Estar no ir e voltar V

29.jan.2016

Voo FR3557, Ménara Airport para Stansted Airport

A olhar para Portugal?

Ao bom dia, abre a porta; e ao mau, deixa-te ir com ele. Ao de ontem, nem tão mau, nem tão bom que o papassem as moscas. Assim, assim.

A manhã fez-se cedo e o pequeno-almoço não tardou. Quis-se ao pé da piscina porque a preguiça o obrigou. E eu obriguei-me a barrar a compota no pão e levá-lo à boca de quem a fome dá muito a comer. Afinal, o amor é cego e eu faço questão de fechar os olhos.

No entanto, o banquete matinal não se ficou por ali. Veio café, chá de menta, crepes, saladas de frutas, bolos e um sumo de laranja recheado de tradição. Veio a essência de um povo que se quer à mesa e fora dela, pelas conversas que não conta horas. Mas, língua afiada não põe o tacho ao lume. Lá fomos. 9h30, por aí. No mercado, ao virar da esquina, nos arredores de Sidi Bel Abbes, o homem do “talho” tenta vender como fresco o borrego que já leva alguns dias. As mantas espalhadas pelo chão, sujo de tanta vida, enchem-se de frutas e legumes. E o barulho estridente vem da banca do lado. É uma máquina: mata e depena galinhas à medida que o freguês as pede. Coisas doutros mundos que não deixam de ser o nosso.

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Zaouia Sidi Bel Abbes, um mausoléu que honra a memória de Sidi Bel Abbes, o santo padroeiro da cidade de Marrakesh. Após ter tomado a capital com a tenra idade de 16 anos, distinguiu-se pelos sermões iconoclastas a enfatizar a real importância da generosidade para com os mais necessitados. Para isso, Sidi Bel Abbes montou um sistema de redistribuição de esmolas e, ainda nos dias que correm, vários são os comerciantes que oferecem os primeiros frutos do seu trabalho à causa do santo – é a chamada Abbassia.

A manhã de 28 avançou “a pé juntos”, com calma, mostrando aquele que é o acordar de Marrakesh: um pouco mais tranquilo que a balbúrdia do seu balbuciado anoitecer. A vontade persistia muita e, sem razão, a razão espantou o medo. Abandonámos os caminhos trilhados a 27 e seguimos por uns novos, perdidos entre tantos outros. Fomos em frente ao invés de termos virado à direita. Dois passos e duas caras com os Souks  – já não tínhamos forma de escapar. Havíamos entrado num labirinto de lojas sem fim.

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Uma das entradas para os Souks. Os Souks de Médina, a “cidade-velha” de Marrakesh, são um verdadeiro labirinto de barracas e oficinas de artesanato. Organizados por bairros, incluem mais de 2 600 artesão marroquinos. Comummente, os preços são definidos, por negociação, entre compradores e vendedores.

Pela primeira vez vimos artigos com preço marcado, que o Museu de Marrakesh marcava presença ali ao lado. Ela, contente com a sorte, compra um íman para o frigorífico do Casal, queixoso pela falta de espaço para muitos mais. Eu segui pasmado com a pasmaceira que se fazia sentir. Os puxões foram poucos e os “chamamentos” menos ainda. Os olhares, esses, continuavam a ser muitos. Não passávamos despercebidos e isso apercebemos “ao tempo”: por sermos morenos – mais ela do que eu; por sermos parecidos com eles – arranjados ao jeito que a “Europa” arranjou; por sermos burros de carga – graças às compras que ela comprou; por eu ser barbudo – confundido com um líder árabe qualquer; ou, pura e simplesmente, por sermos maníacos, andarmos lado a lado e seguirmos, em frente, de mãos dadas… com a perseguição. O certo é que me perseguiram, por chamarem-me “Ali Babá” sem o ser: por nunca ter sido lenhador, nem tão pouco ter encontrado um tesouro no meio da floresta. O nome pegou e fiquei Ali Babá por aquele souk inteiro: ingénuo, por ter quarenta ladrões a quererem levar-me a carteira.

Por fim, chegámos inteiros a uma das praças que nos viu passear a 27. O cheiro a especiarias aquece o ambiente que se vive. Por ali, respiram-se aromas e dão-se a provar essências que os próprios sentidos desconhecem. Todavia, a venda de potes em verga foi a única razão que me fez parar. Iria fazer uma mãe feliz, a minha.

O negócio começa nos 160 dirhams e o acordo desacorda-se desde cedo. A “batata” é passada para a mão da mulher da banca, tapada dos pés à cabeça e da cabeça aos pés, como se quer. Não deu muita luta. Consegui o pote a 30, com um regateio que deixou a desejar. E o troque usado não foi complexo. Estrategicamente, antes da compra, passámos uns trocos – poucos – para os bolsos de cada um. No momento da compra, “sacámos” dos ditos e dissemos que só tínhamos aquilo – era pegar ou largar. No fim de contas, a mentira só é um vício quando faz mal; se faz bem, é uma grande virtude.

Esta fez-nos tão mais folgados que, a partir daí, começámos a desconfiar de todos e a não dizer a verdade a ninguém. E isso ia-nos ficando tão caro!

(Agora, só conto o resto quando puder. Ela está muito chatinha: quer o meu encosto! E a marroquina que vai ao lado dela, ao adormecer, pôs uma das pernas no lugar que era para as pernas dela. Sempre ouvi dizer: a sorte de uns é o azar de outros. E o cheiro nem é assim tão mau!)

xxx EU xxx

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