Diário de Bordo // Estar no ir e voltar VI

31.jan.2016

Voo FR8346, Aeroporto Sá Carneiro para Stansted Airport

Após uma visita de enfermeiro – com menos de 48 horas – a Portugal!

O tempo é que cura as meadas e tempo era tudo o que não tínhamos. O pouco que me lembro ainda pode ser contado: segundos de dor e horas esquecidas por serem tão felizes.

Após aquela primeira compra de quinta-feira 28, decidimos por bem “abancar” numa esplanada ali ao pé. O café já vinha sendo desejado há muito e aonde há vontade, não voga a razão. Por lá, o atendimento não foi de todo mau, pela moça não ser de deitar-se fora, nem o seu inglês ser de se aproveitar – enfim, não há palavra mal dita, se não for mal entendida. Mas, era moça treinada com um olho chico esperto que me “espertou” a carteira: entre um café com especiarias e um chá marroquino que aqueles costumes nos acostumaram, impingiu-nos um prato de doçaria tradicional, vendido a preço que não estava marcado. Já a minha avó o dizia: a corcunda do bobo é o poleiro do esperto. E, embebida neste espírito, ela levanta-se para comprar aquilo que se queria pagar. Veio com um pote, por mais um não ser demais. Conseguiu-o sem sorte, por tê-lo trazido a 30 dirhams, tal qual o primeiro.

Na mesa contavam-se dois potes, por falta de espaço na mochila, e à “coca”, a marroquina da banca da frente, entre as vendas de gato por lebre, vem ter connosco com mais um pote na mão. Perguntou-nos a quanto haviam ficado os comprados e vendeu-nos o dela melhor que os outros: a 20, que de desvalorização ela percebe mais dos que eu.

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Pausa para café

A brincadeira de ficar sentado, a ver Marrakesh por um instante, saiu cara por nos terem levado as coroas. Dessarte, depois de uma breve passagem por Jemaa El Fna, entre os gritos de quem quer vender, assentámos arraiais na fila de um banco qualquer. Ali, as mulheres fazem-se homens da casa e, nota por nota, tomaram-nos uma manhã a espreitar a tarde.

A grande pressa, grande vagar: a Koutoubia quis-se finalmente conhecida. Afundada entre os jardins que nela se fizeram perder, é lugar de fé e arrependimento. Com sorte, por lá fazem-se parentes e, sem escolha, quiseram-nos amigos.

Nos jardins, um velho matreiro em busca de raposas como nós, fazia-se passear com um cesto de doces ao peito. Soube-nos de Portugal, por o termos contado. Reconheceu-me como Ali Babá, por lhe apetecer. Ofereceu-me um rebuçado e quando me convence a comprar um para ela…, leva-me os trocos que davam para pagar uma dúzia. Foi um milagre que não sei como voltou a acontecer: quis-se num lugar sagrado, com um santo sem nome que fez da confiança o maior dos perigos.

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Koutoubia: a mesquita de Koutoubia é a maior das mesquitas e um dos elementos mais representativos da cidade de Marrakesh. O minarete que exibe é modelo dos minaretes das mesquitas de Rabat (Marrocos), com a Torre Hassan, e de Sevilha (Espanha), com a Giralda. Construída ao estilo tradicional almóada, o nome desta mesquita do século XII deriva do árabe al-Koutoubiyyin, que literalmente significa “a dos livreiros”: uma alusão à presença de um souk de vendedores de livros que se desenvolvia na sua cercania, com mais de cem postos. Reza a lenda, ou a lei, que nenhum edifício da cidade de Marrakesh pode ultrapassar a altura da sua torre, com cerca de 69 metros de altura. É, portanto, o edifício mais próximo de Deus nesta cidade – daí a sua dimensão espiritual.

Assim, com um murro no estômago e uns tostões na mão, chegou a hora da fome e quem a tinha, sonhava com pão. Subimos ao terraço do restaurante Cafe Chez ZaZa, no coração de Médina, e ali deram-nos o melhor “pão” que alguma vez nos tinham dado a provar – porque à gana de comer, não há mau pão.

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A vista do terraço do restaurante Cafe Chez ZaZa para o coração da cidade de Marrakesh

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A entrada: salada de avocado

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O prato principal: köfte

Saímos satisfeitos, de barriga cheia. E como quem não olha adiante, atrás se fica, segui pelos Souks e ela comigo foi. Comprou tâmaras para a mãe, um colar para ela e eu fiquei a ver frutos secos. Num abrir e fechar de olhos, estávamos perdidos. Entropigaitados, havia que “deitar” as mãos à cabeça e louvar aos deuses. A estratégia passou por não parar e seguir em frente. Éramos nós a seguir duas mulheres, turistas por sinal, e outros dois a seguirem-nos, num sinal despistados. Uns metros de tensão, uns metros de desespero. Demos por nós sozinhos, outra vez. Turistas nem vê-los. Num ápice, aparece-nos um marroquino do alto dos seus quinze anos. Disse-nos que avante era uma ameaça que não queríamos correr – as muralhas de Médina anunciavam o fim de um porto seguro. Sem senãos, obrigou-nos a segui-lo até uma saída que dizia ser próxima do Riad. Andámos por becos escondidos que têm muito por contar. As gentes que ali moram dão se aos vícios e a nossa presença parecia ser perturbadora. A aflição dos instantes perdidos a cada passo, fazia esquecer os maiores prazeres que Marrakesh nos havia oferecido. Ninguém falava. Foram passos em silêncio à espera do pior. Acabámos “encostados” à parede. Ele a pedir dinheiro e eu a dizer-lhe que não. 20 dirhams foram a contrapartida para nos largar da mão e ele fincou o pé. A parada aumentou para 40 e ele continuava a querer mais. Ela já se ia embora e eu ali. Por fim, três dessas gentes dadas ao vícios, passam e viciam o jogo. Disseram para não lhe dar mais “casas”. O “dado” parou, após ter rolado minutos que nos pareceram horas. Valeu para o susto.

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Não é este o rapaz de 15 anos!

Chegámos ao Riad a querer não mais sair de lá. No terraço, entre silêncios longos e um namoriscar sorrateiro, acometemos a valentia aos bravos e a temeridade aos loucos. E lesto o pé que tempo é. Fomos a Jemaa El Fna beber o típico sumo de laranja que havia ficado por provar. Mas soube-nos a pouco, por tão pouco ter sido.

A noite põe-se e, boa conselheira, faz-nos ver que o bom e o bem nunca enfadam. Deste maneira, a nossa, “maneirámos” um jantar tal qual o primeiro almoço. O Café Snack Riad Lâarous, com cheiro a burro e hospitalidade de primeira, quis-se casa de despedidas de um tempo que passou e já não volta.

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O meu jantar

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O jantar dela

Em Marrakesh, não houve um último adeus, senão aquele que não foi dito. E nós: estamos no ir e voltar.

xxx EU xxx

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Cafe Chez ZaZa

21 Bab Ftouh, Marrakesh 40000, Morocco | 00212 673 081716

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