Agosto foi trilhado em debandada fluvial. Chinelo no dedo, mochila às costas e máquina ao peito. Do norte desci ao centro, o que tem vindo a tornar-se um hábito nos últimos anos – outros carnavais, igualmente estimulantes. Mulheres bonitas à parte – melhor, ao lado -, tomam cada um a sua direcção – isto é, a mesma – e ala, nem te vi nem te conheço.
Ela de volante na mão lá ia. Eu, no pendura, tentava fixar as placas que iam aparecendo à medida que disparava ao ar partes do corpo em inglês. Manias nossas, vantajosas no combate à moleza de uma viagem sem rádio. E, já dizia a minha avó, menos tempo gasta um postilhão a andar uma légua do que um preguiçoso a abrir os olhos. Mas, houve um dia em que tudo foi diferente – um dos últimos do roteiro (porque apeteceu-me começar pelo fim). Tínhamos condutor e pendura – e nós lá atrás, de mãos dadas à preguiça.
Descobrimos um Casal de uma rua só, numas das paragens. A aldeia fez-se pequena e de xisto. São Simão deu-lhe o nome e os gatos foram-se apoderando dela.
A caminho do Zêzere, a água da Ribeira de Alge freneticamente faz-se ouvir lá ao fundo. Havíamos chegado ao fim da cumeada em que a aldeia se estende. A paisagem é absolutamente arrebatadora. O ar que nos chega alenta-nos a vista que se conduz dentre o verde dos loureiros e os galhos dos sobreiros até à serra da Lousã.
No retorno ao extremo mais elevado de São Simão, onde havia ficado o carro, avistámos marcas de um sentir colectivo doutrora. Longe do ritmo desvairado dos cozinhados a que se sujeitava, o forno comunitário assume novas funções – o de suscitar memórias. As poucas vozes que se vão ouvindo dentro das casas vivenciam uma luta desigual com o barulho do silêncio das casas vizinhas, entregues à solidão da pedra. E assim, apesar de mostrar vida, ou a falta dela, a aldeia de Casal de São Simão faz-se exibir como um refúgio dos tempos de hoje.
A 15 minutos a pé da aldeia, pelo percurso pedestre, e outros tantos, pelos caminhos do asfalto, a desejada praia.
Descemos com o carro até onde deu. Parte do caminho teve de ser feito a pé. Caminhámos de sul para norte, por pontes suspensas, levadas mais que muitas e ilhas que se quiseram pequenas.
A praia surge, enquadrada em duas imponentes fragas que roubaram o nome à aldeia. Ou que a aldeia roubou às fragas. Um local de beleza ímpar que preserva na perfeição a arquitectura gerada e aprimorada por uma divindade qualquer. A água, essa, é tão límpida que se conseguem vislumbrar as pequenas pedras que servem de estrada à ribeira. As outras, à superfície, servem de solário ou prancha de mergulho.
O dia foi bem passado, dentro de água, de umbigo molhado. Eu aventurava-me nos lugares onde residia uma certeza ignorante de que tinha pé. Ela aventurava-se por outros caminhos a insistir para que eu nadasse.
O duelo terminou à mesa – como sempre – ali bem longe, num fim do mundo onde petiscámos um pedaço do céu. Pela minha primeira vez, achigãs fritos na Foz do Alge: isso sim foi navegar o umbigo por boas águas.
Praia Fluvial das Fragas de São Simão
Como chegar:
- Pela A1: saída para IC8. Saída para N237-1. Sair de Figueiró dos Vinhos pela ex-EN237, em direcção à Aldeia de Ana de Aviz. Passe a aldeia e siga pela EN237 para a Aldeia de Casal de São Simão. Antes desta aldeia e a cerca de 7 km do percurso, vire à esquerda da placa que indica a praia fluvial (700 metros à frente).
- GPS: 39º 54′ 52.24” N 08º 18′ 59.57” W
Já quase tinha esquecido como gostas de escrever e o fazes tão bem… Adorei o relato das vossas aventuras, que nos deixou com água na boca e na alma… Desejosos por conhecer um local tão aprazível, com uma gastronomia à altura! Abraço, meu pequeno e aposta nesse talento – conseguir que os outros viagem nas tuas palavras!
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A gastronomia acima de tudo 🙂
Restaurante “O Barqueiro”, na Cova da Eira, Figueiró dos Vinhos – fica a sugestão!
Abraço e afinal as aulas de inglês deram-me muito jeito, não tarda o Reino Unido será a minha nova morada!
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Obrigada, mais uma vez! Acima de tudo espero que sejas feliz…a vida dá(-nos) voltas e farás parte das estatísticas dos jovens que são “convidados” a partir porque a situação do seu país não os convida a ficar… Mas acredito que vais gostar de lá viver! Afinal já conheces e o teu inglês ajuda! Vai praticando… Só agora percebi o jogo das partes do corpo em inglês… (dahhh) Vai correr tudo bem!
Tons of hugs!
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